A Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal realizou hoje, dia 6 de outubro, às 10h, Audiência Pública sobre os impactos da mineração de urânio. A discussão veio à tona através da Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), que durante a audiência lançou o “Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear”, estudo que aponta inúmeras violações decorrentes da mineração de urânio em Caetité, Bahia, onde funciona a Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (URA-INB).
O relatório, fruto de uma investigação que durou mais de dois anos, revela danos causados pela atividade mineradora à saúde, ao meio ambiente e à economia. A socióloga Marijane Lisboa, Relatora para o Direito Humano ao Meio Ambiente, explica que depoimentos, estudos, denúncias e reuniões com autoridades públicas e comunidades atingidas embasaram a pesquisa e tornaram possível constatar as contradições que envolvem a exploração de urânio. Tudo isso levou a Relatoria a questionar o investimento do Brasil no Ciclo do Nuclear, para o qual Caetité tem cumprido papel indispensável, pois o município, distante 750 Km da capital baiana, é responsável pela mineração e transformação do urânio mineral em concentrado de urânio, a principal matéria prima do combustível nuclear.
Dentre as ações realizadas pela Relatoria, ligada às Organizações das Nações Unidas, destacam-se as visitas às diversas comunidades da região ao entorno da mina, como a de Juazeiro, distante 8 km do centro da exploração. Lá, estudo independente realizado através do Greenpeace, em 2008, havia identificado que a água de poços apresentava sete vezes maior concentração de urânio do que o limite permitido pela Organização Mundial de Saúde, denúncia confirmada por exames realizados pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima da Bahia (Inga-BA) e pela Secretaria de Saúde do Estado (SESAB), que culminou com a suspensão do consumo de água em três poços, em novembro de 2009.
A desinterdição posterior dos poços, em circunstâncias pouco claras, é uma das razões que preocupam a população local e levou-a a solicitar à Plataforma DHESCA a realização do relatório. O documento final aborda outras questões sobre os quais as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) sistematicamente se recusam a explicar de forma satisfatória, como: os moradores de Caetité têm maior propensão a desenvolverem cânceres pela exposição ao urânio? A água usada pelos moradores está contaminada? Apesar dos vazamentos, por que os órgãos públicos permanecem concedendo licenças ambientais? Por qual motivo as nascentes e poços artesianos usados pelas comunidades secaram? Quais os efeitos do gás radônio?
Partindo desses questionamentos, durante a Audiência Pública solicitada pelo Deputado Penna (PV-SP), através do requerimento Nº 46/2011, Marijane Lisboa irá expor os principais resultados da pesquisa, bem como as recomendações que a Relatoria da Plataforma DHESCA apresenta ao Estado Brasileiro para que os direitos das comunidades sejam garantidos. Representantes das comunidades atingidas e de movimentos sociais estarão presentes, como a integrante da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça Cidadania, Zoraide Vilasboas, que falará dos impactos sofridos pela população local. Também foi convidado a participar da audiência o Presidente da INB, Alfredo Tranjan Filho.
No ano em que o mundo lembra os 25 anos da tragédia em Chernobyl e vivencia os impactos de mais um acidente nuclear, desta vez em Fukushima, no Japão, o debate em torno da energia nuclear permeou a Audiência Pública.
Saiba mais:
» Sobre a Relatoria
As Relatorias de Direitos Humanos são uma iniciativa da sociedade civil brasileira, que têm como objetivo contribuir para que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais. O projeto foi implantado pela rede Dhesca Brasil em 2002, inspirado no modelo dos Relatores Especiais da ONU.
O desafio dos/as Relatores/as é o de diagnosticar, relatar e recomendar soluções para violações apontadas pela sociedade civil. Para verificar as denúncias acolhidas, as Relatorias visitam os locais realizando missões, audiências públicas, incidências junto aos poderes públicos e publicam relatórios com recomendações para a superação dos problemas identificados.
» Denúncias sobre as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB)
A INB foi autuada pelo IBAMA pelo menos por quatro vezes. Em 2000, durante o primeiro ano de funcionamento, a Licença de Instalação chegou a ser suspensa por conta do vazamento de 5 milhões de litros de licor de urânio. Entre janeiro e junho de 2004, houve mais sete transbordamentos de licor de urânio para o meio ambiente. Apesar de tais incidentes e das autuações, a Licença de Operação da INB permaneceu sendo renovada pelo IBAMA e CNEN, sem maiores explicações à comunidade. A situação é tão grave que, em julho de 2009, depois de cerca de três anos de avaliação do caso, o Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública requerendo a imediata suspensão das atividades da INB até que seja garantida a segurança das populações e do meio ambiente.
Fonte: Plataforma Dhesca (06/10/2011) com adaptação hbs